Gostaria de iniciar essa autoavaliação com um belíssimo
texto que foi apresentado em sala de aula.
Texto “A borracha” de Marina Fernandes
Clarinha, filha de minha amiga Alessandra, no auge
dos seus quatro anos, já sabe, como os demais de sua geração, o significado de
“deletar”, a função do “backspace”, e, se duvidar, já se arrisca a usar o
ctrl+z. Mas o que tem encantado Clarinha nesses últimos tempos é mesmo a borracha: a descoberta desse
avanço tecnológico que permite apagar o que suas mãozinhas produzem com o
grafite do seu lápis. Claro que ela não classifica os efeitos da borracha como
“avanço tecnológico”. Para ela é mágica.
Ou “apenas” mágica, como diriam os menos esclarecidos. Clarinha encontrou na
borracha as delícias do fazer
e desfazer. Ou melhor: fazer,
desfazer e refazer. Então, não foi de assustar quando, ouvindo com a mãe os
últimos acontecimentos do Brasil, seus olhinhos brilhassem ao perguntar: “Mas
mamãe!!! Existe uma bala toda feita de borracha??? Difícil é tentar
refazer a imagem que se formou naquela cabecinha cheia de cachinhos castanhos,
mas uma coisa é certa: para ela, alguém havia conseguido unir em um único
elemento seus dois maiores objetos de desejo! Que gênio teria feito isso?
Certamente na condição de inferioridade que o mundo adulto nos impõe, melhor
nem tentar descobrir a gama de possibilidades que Clarinha atribuiu àquele
objeto tão especial, tão perfeito ao ponto de saciar o paladar e a criatividade ao mesmo tempo! Podemos apenas
concluir que no mundo de Clarinha não existem conflitos armados ou
manifestações populares. Gasolina é apenas algo com cheiro ruim que faz o carro
da mamãe andar. E bola de futebol é aquilo que se compra na lojinha da esquina
com um dinheirinho azul que tem o desenho de uma tartaruga. É, Clarinha, quem
dera todos nós fizéssemos a oração de Adélia Prado: “Meu Deus, me dá cinco
anos, me dá a mão, me cura de ser grande.” Então, minha querida, teríamos hoje
um lindo objeto que, além de apagar
o que está errado, ainda permitiria fazer
tudo novamente. E mais: esse processo viria acompanhado de um doce gostinho
de morango... ou outra fruta qualquer...
Quando iniciei a disciplina
de Tendências Contemporâneas de Currículos a primeira questão levantada pela professora
Rita foi: O que é currículo? E sem pestanejar respondi pra mim mesma com todo o
meu jeitinho mineiro: Uai, é um documento que vem pra escolas e que os
professores devem seguir. Nesse documento constam os conteúdos que temos que
trabalhar.
Acredito que essa foi a primeira vez que utilizei a borracha na
disciplina. Não que minha concepção de currículo estivesse errada, mas não
estava correta. A cada aula que se passava Currículo ganhava uma definição
diferente e a borracha não estava mais me servindo tão bem, pois não conseguia
apagar minha ideia inicial. Foi preciso virar a página do caderno e descobrir a
alegria do recomeço.
A partir de então minha visão sobre currículo foi modificando e através
de muitos textos e principalmente muitas discussões sobre o tema que meus
conceitos foram expandindo.
Ampliando minhas definições de currículo aprendi que o “poder” está nas
mãos dos professores, que o currículo pode até vir pronto, mas somos nós que
decidimos o que fazer com ele. Temos autonomia para tal. Aprendi a não mais falar
de currículo sem falar de cultura, sociedade, práxis, história, planos de
ensino....
Enfim...
Virando a página aprendi que meus erros eram tão importantes quanto meus
acertos, afinal não há aprendizado na vida que não passe pela experiência dos
erros.
Nós professores, vemos a borracha e o caderno como simples objetos em
sala de aula e por vezes perdemos esse espirito positivo de Clarinha que nos
faz enxergar que esses objetos são na verdade lindas metáforas da vida.
Se você errou, apague. Se os erros forem demais, vire a página.